Na época da Valhalla eu tive a oportunidade de entrevistar o mestre King Diamond várias vezes. Sempre me atendeu muito bem, respondia as perguntas com muita atenção e interesse. Nada mal ter King Diamond como o meu primeiro entrevistado nessa retomada. E ele continua o mesmo profissional atencioso e gentil de sempre! Nobre como um legítimo Rei.
Sua história todos conhecem muito bem, e “Abigail”, seu disco de 1987, é parte muito importante dela. De forma que é grande a expectativa pelo show que ele faz em São Paulo no próximo dia 25 de Junho onde tocará o disco na íntegra.
O que segue é a transcrição do bate-papo de 45 minutos que tive com o mestre pelo Skype onde falamos mais sobre o show e muitas outras coisas interessantes, inclusive sobre seu lado como fã de rock, como qualquer um de nós. Ficou massa. Confere aí.
King Diamond – Olá.
Eliton Tomasi – Olá King.
King Diamond – Como você está cara?
Eliton – Estou bem, obrigado. E você?
King Diamond – Estou muito bem.
Eliton – Obrigado pela oportunidade de falar comigo.
King Diamond – Com certeza, cara!
Eliton – Vamos começar então?
King Diamond –Sim, claro.
Eliton – Perfeito! King você está vindo ao Brasil agora em Junho para o primeiro show em 20 anos. E em 2017 você está comemorando o aniversário de 30 anos de “Abigail”. É claro que um show do King Diamond é sempre algo especial, mas você trará algo diferente ao Brasil em comparação aos shows que você fez nos Estados Unidos e Europa entre 2015 e 2016?
King Diamond – A grande diferença é que nas vezes anteriores que toquei no Brasil eu não pude trazer toda a produção do show, pois custava muito dinheiro. Dessa vez o show será completo! Aquela produção de palco que usamos nos shows nos Estados Unidos e na Europa, estará ai também. Posso garantir que a experiência desse show será algo que vocês nunca irão se esquecer. Decidimos levar todo o cenário de palco por navio, tudo dentro de um contêiner. Estamos no momento trabalhando na produção de dois DVDs e o novo disco de estúdio e nesse intervalo mandamos toda essa produção primeiro para o México e depois para o Brasil. Do Brasil o contêiner vai para os Estados Unidos onde faremos um show em Las Vegas em Agosto. Nesse intervalo entre os shows nós voltaremos a trabalhar nos DVDs e no novo álbum e queremos começar uma nova tour em divulgação ao novo disco depois disso. Mas devo dize que esse é o melhor momento para esse show em comemoração aos 30 anos de “Abigail”. Estou em minha melhor forma vocal. Parei de fumar cigarros, faço caminhadas pelo menos cinco vezes por semana… Lembro-me que quando estive no Brasil pela última vez eu não conseguiria conversar como estou falando agora com você após o show. Eu ficava absolutamente sem ar. Hoje isso não acontece mais. Posso prometer que vocês não irão esquecer esse show.
Eliton – Pois é! E você está com 60 anos de idade. Passou por cirurgia no coração e tudo mais…
King Diamond – Sim. E devo dizer que me sinto melhor hoje do que quando gravei o “Abigail” há 30 anos atrás.
Eliton – Isso é ótimo! Falando agora sobre o novo disco, ele vai ser o primeiro em 10 anos. O que podemos esperar desse álbum?
King Diamond – Posso dizer que o novo álbum vai soar como nos velhos tempos. Quero capturar a mesma produção de antigamente. A mesma dinâmica no uso das vozes. Quando você ouvir o novo disco será como voltar no tempo. Pelo menos é como sentimos o disco nesse momento e queremos manter essa atmosfera durante toda a produção. Eu construí um estúdio aqui na minha casa e posso gravar a hora que quiser, com equipamento de alta qualidade e da maneira que eu sempre quis. Antes ficávamos muito nas mãos dos produtores, hoje temos liberdade total. Eu tenho o estúdio, Andy também, todos na banda tem suas próprias condições de registrar suas ideias, então nós gravamos demos e mandamos uns aos outros. Dessa vez estou escrevendo as músicas, letras e tendo total participação na produção.
Eliton – King, em minha opinião, você é o artista mais completo da comunidade metal. O seu trabalho não é apenas musical, mas uma espécie de experiência artística plural que inclui diálogos com artes cênicas, artes visuais, literatura e poesia. Desde o início você se propôs a algo assim?
King Diamond – Isso foi algo que sempre quis fazer, desde o começo. Na verdade desde os tempos do Black Rose. Já nessa época tínhamos muitos elementos de cenografia. Tínhamos bombas e diferentes explosivos caseiros no palco. No Mercyful Fate isso rolou também, mas penso que foi com o King Diamond solo que pude trabalhar mais todos esses elementos a partir das histórias por trás das músicas. Com o Mercyful Fate tínhamos letras mais sobre antigos mitos, coisa e tal. Falávamos sobre religião, mas não tanto como no King Diamond, quando toda essa coisa de horror ficou mais abrangente e tudo isso permitiu que o trabalho fosse mais plural.
Eliton – Falando nisso, o trabalho de Anton LaVey ainda é uma influência pra você?
King Diamond –Sim, ainda estou 100% nisso. A última vez que encontrei um dos Laveys foi numa jantar em São Francisco com a Karla LaVey. Estávamos eu, minha esposa, ela, e fomos até o antigo restaurante preferido do Anton LaVey. Foi bem legal. Mas devo dizer que antes de qualquer filosofia que se escolha para sua vida, deve prevalecer o respeito. Eu posso estar e ter um bom momento com qualquer pessoa independente de sua crença, desde que ela me respeite. O problema é que as pessoas não se respeitam mais e estão matando umas às outras por causa de religião.
Eliton – Já que você tocou nesse assunto, para você, enquanto artista, a música é mais importante no sentido da expressão subjetiva, de dizer o que você pensa e de passar algo adiante, ou apenas proporcionar entretenimento e diversão aos fãs?
King Diamond – Ambos! Durante o show do King Diamond tem muita coisa profunda rolando no palco. Eu quero que as pessoas saiam do show com a sensação de que nunca mais irão esquecer o que viram. Isso aconteceu comigo quando vi o Genesis com o Peter Gabriel em 1974: eu nunca mais esqueci aquele show e todas aquelas máscaras, pinturas e diferentes personagens que ele encenava no palco. Eu quero proporcionar o mesmo. Aliás, no nosso show tem um momento muito cruel. Jodi, a atriz que interpreta a avó (Grandma), fica segurando uns bebês que compramos na China – e que parecem bem reais – e ela faz horrores com esses bebes no palco. Nesse momento eu fico olhando para o rosto das pessoas na plateia para ver como elas reagem. Eu me divirto muito vendo as diferentes reações. No início é como se eles se espantassem: “Oh meu Deus, o que é isso!”. Para logo depois caírem no riso. Então é isso que quero passar após dizer boa noite para o público, algo que eles não encontrarão em nenhum outro lugar.
Eliton – O heavy metal é uma autêntica expressão cultural e forma de arte. Entretanto, parece que esse segmento não é levado muito a sério por intelectuais e críticos de arte convencional. Por que isso acontece em sua opinião?
King Diamond –Essa é uma boa pergunta. Eu não sei qual seria a resposta pra isso. Fato é que as pessoas que não conhecem heavy metal fazem uma ideia errada do que seria um show de metal, por exemplo. Pensam que é um ambiente violento, com pessoas bêbadas e vomitando por todos os lados, usando drogas. Esse é o pensamento padrão. Essas pessoas então se impressionam quando tem a oportunidade de ver que num show de heavy metal estão pessoas normais que querem fugir um pouco da normalidade do seu dia-a-dia, tanto quanto as pessoas que vão a um cinema ou uma galeria de arte. Mas eu tenho fãs artistas. Conheci um ótimo pintor que era fã do King Diamond. Tem vários agentes de polícia que são fãs da banda! Não importa quem você seja, ou o que faça, qualquer pessoa comum pode ser fã de metal.
Eliton – O tempo é preponderante no rock ‘n’ roll. Queiramos ou não, a soberania do clássico chega a ser ditatorial diante do contemporâneo. Tentar destituir os Beatles e os Rolling Stones do poder é como profanar o sagrado. De forma que muitas bandas contemporâneas não fazem mais do que aglutinar papéis coadjuvantes numa perpetuação decrescente do velho rock ‘n’ roll. Em sua opinião, porque grande parte das novas bandas não conseguem ser mais tão relevantes quanto o King Diamond ou o Mercyful Fate.
King Diamond – Não sei dizer. Nós sempre fizemos música com o coração. Nunca fomos pressionados por gravadoras ou o mercado. Mas eu pessoalmente não ouço muito as novas bandas, continuo um grande fã das bandas dos anos setenta. Meu vocalista preferido de todos os tempos é o David Byron do Uriah Heep. Antes do show do King Diamond você vai ouvir “The Wizard”, do álbum “Demons and Wizards”, antes de entrarmos no palco. Toda vez que ouço essa música é como se ela fosse sobre mim. Eu ainda sou grande fã do Black Sabbath, Deep Purple, Led Zeppelin, Uriah Heep, Jethro Tull, Wishbone Ash, Kansas, essas são as bandas que eu estou sempre ouvindo. Mas também gosto do Metallica, da mesma maneira que eles são fãs do meu trabalho. E o Metallica está por ai fazendo o lance deles. Mas o fato é que parece-me que há cada vez menos bandas que soam autenticas. Ao passo que se você voltar no passado e comparar essas bandas que citei, notará que todas soam diferentes entre si. O Led Zeppelin não soa com mais ninguém. Black Sabbath, Uriah Heep, Deep Purple, Ten Years After, elas são todas diferentes entre si.
Eliton – Você também tem seu lado fã, certo King?
King Diamond – Absolutamente. Cara, eu vi muitas bandas ao vivo. Só o Uriah Heep com o David Byron eu vi cinco vezes na Dinamarca. Eu estive lá na época e continuo sendo um grande fã. Cara, deixe-me contar uma coisa… Até publiquei isso no meu Facebook. Recentemente eu estava me mudando e no meio de algumas coisas achei uma caixa cheia de vinis de metal. Estava lá o “Sabbath Bloody Sabbath” do Sabbath, “Houses of The Holy” do Led, entre muitos outros. Achei o primeiro disco do Queen e dentro dele estava um cartão com alguns autógrafos e quando percebi era do Phil Lynnot do Thin Lizzy. Logo depois vi que tinham os autógrafos do Scott Gorham, Brian Downey, Brian Robertson. Eu me lembro de contar aos meus amigos, e a maioria nunca acreditou, que em 1975, quando o Thin Lizzy lançou o “Fighting”, eu fui ve-los ao vivo no Hard Rock Café em Copenhague. Naquele dia eu não pude encontrar os músicos, mas quatro dias depois eu fui ao Tivoli’s Concert Hall, também em Copenhague, para ver o Blue Öyster Cult. Foi a primeira vez deles na cidade, com o show de “Secret Treaties”. E foi incrível. E me lembro que naquela época, quando você entrava no show, você geralmente ganhava um folder com a biografia da banda. E é por isso que eu tinha os autógrafos dos caras do Thin Lizzy no folder do Blue Öyster Cult, porque eu encontrei os caras do Thin Lizzy naquele dia, ao fim do show, eles foram lá também para ver o Blue Öyster Cult. Eles estavam no bar ai eu cheguei e bati um papo com eles e peguei os autógrafos. Me lembro de ver muitos shows nessa época. Vi o UFO com o Michael Schenker. Meu primeiro show foi o do Grand Funk Railroad em 1970. Vi o Zeppelin com o John Bonhan… O Deep Purple Mk 3 com o David Coverdale. Eu continuo sendo um fã, eu sei o que é ser um verdadeiro fã de rock.
Eliton – King, o Melissa vai completar 35 anos em 2018. Podemos sonhar com uma reunião do Mercyful Fate para celebrar a data?
King Diamond – Não sei o que pode acontecer. Tenho muito trabalho com o King Diamond. Como te falei, tem os DVDs, o novo álbum e depois a nova turnê… Mas eu nunca digo nunca. É assim que as coisas são. O Hank me liga e tal… Se eu te falar uma coisa você não publica?
Eliton – É claro.
NOTA – Nesse momento King me contou algo, mas, como promessa é promessa, terei que guardar só pra mim. Não fiquem chateados. 😉
Eliton – King, obrigado pela entrevista. Uma mensagem final aos seus fãs?
King Diamond –Vocês não vão esquecer desse show. É uma experiência para todos os sentidos, visão, audição. Temos a produção completa, com o melhor equipamento, a melhor equipe. A banda está soando ótima. Eu estou adorando estar no palco. Prefiro estar no palco bem mais hoje do que antigamente. Não estamos deixando nada para trás dessa vez, estamos levando tudo, e vocês não irão acreditar. Até lá, sejam pacientes e Stay Heavy!
Eliton – Obrigado pela entrevista, King. Nos vemos no show.
King Diamond –Eu que agradeço, Eliton. Se cuida. Até lá. Tchau.