Por Eliton Tomasi
Me lembro que quando iniciei o projeto do zine Valhalla lá em 1996, um grande objetivo a curto prazo era passar a ser considerado por assessorias de imprensa para realizar coberturas de shows. Começamos com shows undergrounds locais até que eu um dia eu estava na frente do palco do Rock In Rio fotografando o Iron Maiden.
Durante os anos da revista chegou um momento que as coberturas de shows eram tão frequentes que ir a um show passou a ser uma atividade mais burocrática e menos apaixonada. Esse é o momento que você se dá conta de que algo anda errado e é bom fazer algumas revisões.
O último show que cobri pela Valhalla foi o do Iron Maiden na “Somewhere Back In Time Tour” que rolou no Allianz Parque em 2008. O sentimento de melancolia foi irresistível. Assisti uma das minhas bandas preferidas com um clima de despedida, uma vez que o fim da revista já havia sido anunciado.
Eis que aqui estou “em algum lugar de volta no tempo”. E agora sem nenhum outro propósito que não a paixão!
E que forma melhor de recomeçar do que com um show do MR. Big e Geoff Tate!
O Queensrÿche está certamente no meu Top 10 de bandas preferidas de todos os tempos. E quando se é muito fã você se interessa por quase qualquer coisa que a banda venha a lhe entregar.
Quando foi anunciado que Geoff Tate viria ao Brasil para uma turnê acústica onde também contaria histórias da sua carreira, a proposta não me soou tão atraente. Posteriormente veio a informação que ele viria, mas acompanhado de músicos brasileiros e que tocaria o “Operation: Mindcrime” na íntegra. Ainda bem!
Não é de hoje que vocalistas tem vindo sozinhos ao Brasil para se apresentar com músicos brasileiros. Tim “Ripper” Owens, Blaze Bayley, Paul Di Anno, entre outros tem seguido pelo mesmo caminho. Motivo de crítica para alguns, eu vejo com bons olhos a proposta. E esse show do Geoff Tate me permitiu reforçar essa opinião.
A questão é que geralmente os músicos que acompanham são fãs do trabalho do vocalista, e isso faz com que o show ganhe uma dose extra de energia, de alegria e de verdade. O que acaba sendo um show muito mais interessante e cativante de se ver do que até mesmo uma banda em sua formação clássica, porém desgastada e sem a mesma energia de antes. Some isso a qualidade técnica de músicos como Felipe Andreoli (baixo), Edu Cominato (bateria), Leo Mancini (guitarra), Dalton Santos (guitarra) e Bruno Sá (teclados) e tenha um show do Queensrÿche muito mais Queensrÿche do que o próprio Queensrÿche atual.
Músicos tocando pra caramba, com sorriso no rosto e com uma energia e vontade contagiantes. Não foi difícil para Geoff Tate se integrar e cantar de forma brilhante, como sempre.
Não vi um show do Queensrÿche na época do lançamento de “Operation: Mindcrime” em 1988, mas me atrevo a dizer que a atmosfera desse show no Tom Brasil deve ter chegado bem perto.
Na verdade, as músicas de “Operation: Mindcrime” são tão sensacionais que um show com o disco sendo tocado na íntegra é quase um assédio!
Houveram alguns erros, o que era esperado considerando que pelo que me consta a banda fez apenas um único ensaio com Geoff Tate. Absolutamente compreensível e aceitável.
Depois de percorrer por todo o tracklist de “Operation: Mindcrime” com a mesma sequência do álbum, ainda sobrou um tempo para fecharem o show com “Silent Lucidity”, momento este em que o público presente, cerca de 4 mil pessoas, em sua esmagadora maioria fãs do Mr. Big, se renderam por completo à Geoff Tate e banda com um mar de smartphones que filmavam o momento. O que, para mim, é um pouco bizarro, pois é como se ao invés de contemplar o momento presente e eternizar a experiencia em suas próprias memórias, as pessoas preferissem usar a memória de seus celulares para registrar imagens de um show que, na verdade, elas não viram. Não em sua totalidade.
Outra situação nessa noite que me provocou bastante foi ver a barra separando a pista. De um lado os ricos na pista premium e de outros os pobres na pista simples. É assim que o capitalismo segrega as pessoas, numa espécie de apartheid social. Se não bastasse a política de meia entrada a estudantes cuja diferença no valor do ingresso é embutida no preço daqueles que pagam valor integral, e de o Brasil ter um dos preços mais caros no mundo no que concerne a shows e espetáculos musicais, agora os primeiros lugares na frente do palco que antes eram destinados aos que eram mais fãs e chegavam mais cedo, é também relegado àqueles com maior poder econômico. Casas e estádios já possuem uma grande diversidade de setores a fim de alocar seu público de maneira adequada e menos ofensiva. A separação da pista, a meu ver, é, no mínimo, constrangedora.
Se num show entre Geoff Tate e MR. Big o meu interesse inicial era evidentemente pela apresentação do ex-vocalista do Queensrÿche, devo dizer que deixei o Tom Brasil muito mais fã do Mr. Big de quando como cheguei.
Que show! Que astral! Que alegria!
Eric Martin, Billy Sheehan e Paul Gilbert são alguns dos melhores músicos do mundo em seus respectivos postos. E embora tenham se separado durante alguns anos – o que possibilitou a rápida passagem de Richie Kotzen pela banda – a identidade do MR. Big é fortemente marcada pela presença dos três e de também seu baterista Pat Torpey. Citei Torpey por último pois é uma demonstração de caráter tão grande mantê-lo na banda e traze-lo para a turnê que faz do MR. Big uma das bandas mais íntegras de toda a história do rock. Para quem não sabe, Torpey sofre de mal de Parkinson e o baterista Matt Starr o substituiu no MR. Big, embora a banda sempre faça questão de chamar Torpey ao palco para executar alguns dos temas menos complexos (como baterista principal) e em vários outros momentos como percussionista.
E foi com consciência, integridade e energia lá em cima que desfilaram clássicos como “Daddy, Brother, Lover, Little Boy”, “Green-Tinted Sixties Mind”, “Addicted To That Rush”, “Colorado Bulldog”, entre outras pérolas mais recentes como a maravilhosa “Undertown” do disco “What If” de 2011 e todas as esperadas baladas: “Just Take My Heart”, “To Be With You” e “Wild World” de Cat Stevens. O fim do show também foi emocionante com o cover de “Baba O’ Riley” do The Who.
Geoff Tate (e banda) e o MR. Big entregaram ao público presente uma decente amostra de verdade e integridade artístico-cultural, um padrão de rock ‘n’ roll bem feito, composto e tocado por grandes talentos, com inerente potencial para convencer e contagiar de forma natural, sem a força opressora da mentira e da publicidade enganosa. É tudo o que esperam, sejam os burgueses da pista premium ou os proletariados da pista simples.
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