Por Eliton Tomasi
Acabei de ver o corpo de uma pessoa morta caído na rua. Estava a caminho da minha casa quando me deparei com um bloqueio policial. Ao me aproximar, logo percebi o motivo do bloqueio. O corpo estava coberto, com apenas uma parte lateral a mostra. Notei que a pessoa usava chinelos e roupas simples, o que me deu sinais a respeito de sua condição econômica. O efetivo policial presente no local era mínimo e, de fato, não demonstrava muita preocupação com o ocorrido.
Continuei meu caminho, a exemplo da vida, que segue.
Todavia, a reflexão sobre a morte me tomou de assalto. Uma de minhas meditações constantes, diga-se de passagem. Mas a visão daquele corpo potencializou o pensamento, como se já não houvessem tantas mortes no mundo nesse momento!
Mais do que pensar sobre a causa daquela morte, os objetos centrais de meus pensamentos eram, na verdade, sobre aspectos de como teria sido a vida daquela pessoa. Quem teria sido? Quantos anos tinha ou qual o seu nome? O que mais gostava de fazer?
Interessante que no momento que escrevo esse texto – que dei início assim que cheguei em casa – percebo que, na verdade, não estava refletindo sobre a morte, mas sim sobre a vida!
Nossos juízos de valor são mesmos quase sempre equivocados.
Isso significa que sabemos pouco sobre nós, sobre os outros, sobre a vida e a morte, ou somos forçados a um saber sobre essas coisas que é alguma coisa diferente daquilo que realmente é?
Circunstancialmente, quando aparecemos no mundo, há toda uma composição de saberes já formuladas. Tais saberes manifestam-se, inclusive, sobre a função dos pais e professores de nos transmitirem esses mesmos saberes até que passam a ser nossos tão naturalmente que nem percebemos que foram estabelecidos sem nosso próprio, mesmo equivocado, juízo. E assim permanecem até nossa morte.
Nietzsche dizia que “temos a arte para não morrer ou enlouquecer perante a verdade”. Mesmo que eu esteja sob a eminencia de não apenas destruir a poética desse encantador pensamento nietzcheniano, como de também fazer papel de ridículo, ainda assim prefiro pensar que temos a arte para não morrer ou enlouquecer perante a mentira.
Nietzsche, de fato, não foi contemporâneo do punk rock que resignificou as letras de amor ao transformá-las em manifestos políticos de protesto. Tampouco conheceu o metal que poderia ter sido a própria trilha sonora de uma de suas principais obras, “O Anticristo”. Se vivesse nos dias de hoje, Nietzsche seria headbanger.
Se a política é um mal necessário, a religião é um apêndice inútil desse mal.
Felizmente não me resta mais a ingenuidade da esperança de um mundo melhor, mas tão somente a objetividade da ininterrupção de minha própria transformação para algo cada vez mais distante daqueles saberes pré-natais que são a raiz de todo abuso que há no mundo.
Através desse texto, celebro a vida daquela pessoa cujo corpo prostrava-se entre o asfalto e o meio-fio da rua. Independente de qual tenha sido sua biografia, nunca mais haverá outra pessoa como aquela. Tão quanto as flores que nunca são iguais, apesar do florescer que sempre é.